O desafio de se escrever para o público jovem

Por Eliana Haddad
Arlete Braglia, 59 anos, é relações públicas, professora e escritora de livros espíritas juvenis, tendo já publicado (sob o pseudônimo Ada May) inúmeras obras, dentre elas Chico, o menino aluado, Nina e o enigma da sombra, O cético, A terra da promessa, O profeta esquecido e Há luz no fim do túnel.
Uma das criadoras do projeto Jovens Online, Arlete, nessa entrevista ao Correio, revela como tem enfrentado o desafio de escrever sobre o espiritismo para um público mais jovem e as necessidades mais recentes que tem percebido em seus leitores para compreender os princípios da doutrina e sobre a vida. Acompanhe.
Qual o segredo para se escrever para jovens?
Vibrar na mesma frequência, tentar falar a mesma linguagem, mas sem exageros, ou querendo forçar a barra. Apesar de escrever para um público mais jovem, eu nunca desisti de adicionar palavras que não fossem de uso coloquial, nem de agregar novos conhecimentos e termos pouco conhecidos. Por isso, sempre uso o recurso do rodapé na página, para dar as devidas explicações.
Como trabalhar conteúdos tão profundos de maneira mais simples?
Gosto de fazer analogias, pequenas ou grandes comparações que possam explicar de maneira mais acessível os raciocínios mais complexos. Gosto de aproximar a filosofia espírita do cotidiano do meu público, para que compreendam onde ela pode ser aplicada e verificada.
Como conciliar a mensagem espiritual do Evangelho para os dias de hoje? As dores são as mesmas?
As dores continuam sendo intrinsecamente as mesmas, apesar de toda a aparente modernidade da nossa sociedade. Enfrentei a relevância desse desafio quando escrevi O profeta esquecido, com a ideia de levar os ensinamentos do Evangelho de Jesus para a juventude de um jeito que pudesse dialogar com os problemas atuais, como a dependência em drogas, os dilemas na escolha de uma profissão, o respeito pelos pais e a necessidade de se vivenciar a moral cristã, se quisermos construir um mundo mais justo e feliz.
Quais os temas que vem sentindo necessidade de abordar para o seu público nos últimos anos?
Meus livros têm acompanhado a vida do meu filho, e primeiro leitor, hoje com vinte anos. Durante essa jornada, cada livro teve a missão de ensinar os valores que considerava importantes para ele e para sua geração. Através de minhas histórias despretensiosas, procurei passar os fundamentos primordiais da doutrina espírita e da moral cristã. Porque imagino que, mesmo que esse indivíduo deseje fazem outras escolhas no futuro, as férteis sementes filosóficas já estarão plantadas em seu coração, e acredito muito que isso fará a diferença em seu comportamento ao longo de toda a vida. Assim, escrevo tentando identificar quais as necessidades desse público específico, trabalhando sempre para encontrar as melhores respostas diante de seus possíveis problemas.
Agora, por exemplo, meu livro mais recente trará à tona o grave problema do suicídio, que tem crescido exponencialmente nos últimos anos entre crianças e adolescentes. Um assunto um tanto difícil, mas precisamos ter coragem para abordar, buscando sempre esclarecê-los, mas mantendo uma abordagem otimista.
O que você entende como o desafio atual para que o jovem tenha maior engajamento no próprio lar?
Que o jovem tenha liberdade para expressar suas opiniões. Que ele possa ser ouvido, que haja diálogo. Porque numa família em que os ensinamentos devem descem ‘goela abaixo’, onde a autoridade parental toma ares de verdade absoluta que não deve ser questionada, não há espaço para o jovem se manifestar. E quando isso acontece, ele simplesmente se cala e se afasta.
O que você diria para o dirigente espírita sobre a queixa de que os jovens não vão à casa espírita? Onde estamos falhando?
Durante o ano passado, eu e minhas companheiras das USEs do Grande ABC, SP, começamos a fazer essa mesma pergunta e concluímos que são vários os motivos que têm afastado os jovens das casas espíritas. A verdade é que a pandemia nos retirou do mundo por um bom tempo, o que acabou afetando mais os jovens, por estarem justamente numa fase de transição. Essa brecha temporal fez com que tivessem que se ‘adaptar’ a fazer tudo à distância, no ambiente artificial, completamente online, da virtualidade. Isso funcionou enquanto foi necessário, porém, acabou deixando a percepção de que se trata de um mesmo universo.
Também por conta dessa dificuldade de convivência, criamos no ABC um espaço virtual, onde o encontro dessa juventude, ávida por conhecimento espírita e calor humano, fosse possível. Disso nasceu o Projeto Jovens Online, que pretende levar conhecimento de qualidade, mas num formato previamente pensado e discutido com eles. O resultado tem sido surpreendente e recompensador.
Voltando ao desafio das casas para atrair os jovens, minha percepção é a de que é preciso dar abertura, criar espaços emocionais e educacionais para a juventude que chega querendo trabalhar. Uma excelente iniciativa é investir na criação de espaços para os jovens evangelizadores, que também pode ser virtual, como faz o grupo da USE de São Bernardo do Campo.
As respostas para as angústias dos jovens podem ser encontradas no espiritismo? O que de mais importante deve ser passado a eles?
Tenho a mais absoluta convicção de que sim, aliás, não só dos jovens, mas de toda a humanidade. Acredito que somente a filosofia espírita oferece um arcabouço de conhecimento capaz de convencer através do raciocínio lógico de suas premissas, pela observação e estudo de sua fenomenologia, em vez de ter que contar apenas com a fé em algo ou na palavra de alguém. O mais importante a ser ensinado são justamente os pilares dessa filosofia: a comprovação de que a vida do espírito continua pela eternidade através de múltiplas existências, a reencarnação como resposta para os problemas da vida presente e a convicção na vida futura, gerando a necessidade de se aprimorar, de evoluir, porque é para frente que se anda.
Você acha que o mundo digital, as redes sociais, afastam o jovem da realidade, do que se passa no fundo do seu coração?
Sim, principalmente as redes sociais, porque criam uma bolha de distanciamento da realidade, o que acaba sempre trazendo riscos e causando danos para a juventude. Justamente porque são movidas por algoritmos, cujo único objetivo é deter-lhe a atenção, mostrando sempre mais do mesmo que se curtiu. Sem falar nas comparações, na ditadura da beleza, do consumo que esse jovem se vê envolvido, através dos tais influencers. O jovem fica preso nesse mundinho e se desconecta da realidade, de encontrar gente de verdade, como ele.
Como se manter atualizado para lidar melhor com as demandas desse público?
Esse é o desafio constante que tenho enfrentado ao tentar me manter informada e conectada com meu público. Desafio que venço graças às demandas do meu próprio entorno: filho, amigos, parentes, seguidores e leitores. Além de estar sempre aprendendo com eles e para eles.
A literatura infantojuvenil espírita está acompanhando essas mudanças? De que forma?
Acho que só posso falar por mim mesma, já que não tenho subsídios para especular sobre essa literatura de forma genérica. Tenho me esforçado para me manter conectada às mudanças, criando, inclusive, novos formatos para acompanhar meu público nas diferentes plataformas. Por conta disso, criei um canal no YouTube, o Letras Brasilis, com vídeos sobre temas relevantes: Problemas Psicológicos, Livros e Autores e Porque Escrevi esse Livro. A próxima série será Ler para Escrever.
Também, com a ajuda do uso de IA [inteligência artificial], criei os web-books, que são os meus livros em formato audiovisual, com o objetivo de alcançar um público que está além do universo literário, como os jovens deficientes visuais e também os evangelizadores espíritas, que podem usar esse material como apoio para suas aulas. O livro Nina e o mistério do casarão já está disponível, o primeiro capítulo do Chico, o menino aluado, que rebatizei de O menino chamado Chico, está em produção, sendo este um projeto de longo prazo, que dedicarei aos jovens do futuro.
Fonte: CorreioNews- Eliana Haddad